Militares doentes questionam Exército por direito a reforma
O militar Hecliton Dourado, 30 anos, recebeu a notícia de sua dispensa do Exército, em abril de 2015, quando sacou no banco um valor menor do que o seu salário usual. “Achei estranho e fui no setor de pagamentos. Me avisaram que eu tinha tido baixa”, lembra. A desincorporação veio um ano após o cabo receber o diagnóstico de espondilite anquilosante – inflamação crônica na coluna e articulações que provoca dificuldade de locomoção e pode levar à paralisia.
“A doutora me deu o resultado dos exames e já me mostrou uma mesa de medicamentos. Tudo que ela falava batia com o que eu sentia. Eram dores horríveis, inchaço nas mãos e nos pés”, lembra o ex-militar. O diagnóstico, obtido no Hospital Militar de Área de Brasília (Hmab), não foi suficiente, contudo, para garantir a reforma do militar. Na inspeção de saúde realiza pelo Exército, Hecliton foi enquadrado com “dores articulares” e dispensado do serviço.
Hecliton faz parte do grupo de centenas de militares que questionam o Exército na Justiça pelo direito à reforma por doença grave. A medida está prevista no Estatuto dos Militares, legislação editada em 1980 que regula a situação de membros das Forças Armadas. Em seu artigo 106, o dispositivo prevê a passagem à inatividade do militar que “for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas”.
"Depois que eu fiz a cirurgia, nunca mais fui quem era antes. Eu era um atleta e, hoje, se eu subir uma escada ou falar muito, chego cansado. Tinha planos de trabalhar na área de segurança quando deixasse o Exército, mas quem vai querer contratar alguém com doença grave no coração?" Lucas Marques Lobo, ex-militar
O direito à assistência médica e vinculação às Forças Armadas a militares temporários, aqueles que ingressaram por meio do alistamento obrigatório, em situação de incapacidade total ou parcial é alvo de uma ação civil pública do Ministério Público Federal. Em 2016, o braço do órgão no Distrito Federal questionou a União sobre desligamentos irregulares de integrantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha.
Segundo o MPF-DF, “a expulsão de agentes temporários incapacitados se multiplica na realidade do serviço militar temporário, dando causa a inúmeras decisões que rebatem a medida”. Na ação, o órgão afirma que informações recentes obtidas pela Justiça Federal comprovam que a desincorporação de militares temporários é “corrente”.
O Ministério Público recomenda, entre outras medidas, a proibição de licenciamento ou aplicação de qualquer outra medida não remunerada de exclusão do militar temporário nas situações em que existe causa incapacitante, decorrente ou não de acidentes de trabalho. A ação, no entanto, ainda aguarda o julgamento do mérito na 21ª Vara do Distrito Federal.
“Quando o Exército desincorpora, é como uma demissão sem direito a nada. Eles perdem o salário, o tempo de serviço acumulado, que é a compensação pecuniária, e o vínculo com o FUSEx [Fundo de Saúde do Exército]”, explica o especialista em direito previdenciário militar e vice-presidente da Comissão de Direito Militar da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), Gregory Brito.
Preconceito O caminho até a reintegração e a reforma, no entanto, é árduo. Diagnosticado com hanseníase com sequelas graves em 2012, o ex-militar Bruno de Sousa, 27, recebeu a desincorporação do Exército em 2014, mesmo após a própria corporação ter aberto um ato administrativo para a reforma do cabo. No mesmo ano, Bruno entrou na Justiça Federal com um pedido de reintegração.
O laudo utilizado pelo Exército para justificar o desligamento do militar contradizia perícias antigas realizadas pela própria corporação. Um dos documentos, emitido em 2013, afirmava que Bruno havia sido considerado curado da doença em setembro de 2012. Um parecer da Junta Médica de dezembro de 2012, no entanto, mantinha o diagnóstico de hanseníase.